quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Aniversário, por Rubem Alves



Desfiz 75 anos...


Minha formação filosófica impõe-me o uso preciso das palavras porque as palavras devem revelar o ser. E é assim, usando de forma precisa as palavras, comunico aos meus leitores que ontem, dia 15 de setembro, eu desfiz 75 anos... Haverá leitores que se apressarão a corrigir meu uso estranho, nunca visto, da palavra "desfazer", atribuindo-o, quem sabe, a um início do mal de Alzheimer. Todo mundo sabe que, para se anunciar um aniversário, o certo é dizer "fiz" tantos anos. No meu caso, "fiz" 75 anos... Mas o verbo "fazer" sugere algo que aumenta, um crescimento do ser, o artista e o artesão "fazem"... Mas, que ser aumenta com a passagem do tempo, esse monstro que devora os seus filhos? O que aumenta é o vazio. Esses anos que o aniversariante distraído anuncia como anos que ele fez são, precisamente, os anos que ele desfez, o tempo que já passou, que deixou de ser, os anos que o tempo devorou. Por isso acho um equívoco filosófico perguntar a alguém: "Quantos anos você tem?". O certo seria perguntar "quantos anos você não tem?". E ela responderia "não tenho 42 anos", "não tenho 28 anos". Porque esse número de anos indica precisamente os anos que ela não tem mais. Nos aniversários, então, a maneira correta de se dirigir ao aniversariante é perguntando-lhe "quantos anos você está desfazendo hoje?". Com base nessas reflexões filosóficas acho extremamente estranho e mesmo de mau gosto esse costume de o aniversariante soprar as velinhas acessas para que elas se reduzam a um pavio negro retorcido. Aí, nesse momento, todos gritam e riem de alegria e cantam o "Parabéns pra você", em louvor a essa "data querida..." Bachelard, no seu delicadíssimo livro "A Chama de uma Vela", que nunca será best-seller, nos lembra que uma vela que queima é uma metáfora da existência humana. Há alguma coisa de trágico na vela que queima: para iluminar, ela tem que morrer um pouco. Por isso ela chora, e suas lágrimas escorrem sobre o seu corpo sob a forma de estrias de cera. Uma vela que se apaga é uma vela que morre. Algumas velas se consomem todas, morrem de pé, têm de morrer porque a cera já se chorou toda. Outras morrem antes da hora - elas não queriam morrer -, mas veio o vento e a chama se foi. As velinhas acesas fincadas no bolo não querem morrer. Elas vão ser assassinadas por um sopro. O sopro que apaga as velas é o sopro que apaga a vida... Por isso não entendo os risos, as palmas e a alegria que se segue ao sopro que apaga as velas. Uma vela que se apaga é um sol que se põe, disse Bachelard. E todo pôr-do-sol é triste... Uma vela que se apaga anuncia um crepúsculo. Por isso eu prefiro um ritual diferente, ritual que é uma invocação. Eu acendo uma vela pedindo aos deuses que me dêem muitos anos a mais de vida, esses anos que se seguirão, que são o único tempo que realmente possuo... Assim fiz, acendi uma vela, meus amigos à minha volta. Que coisa boa é ter amigos, especialmente quando o crepúsculo e a noite se anunciam! Acho que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a esperança da alegria. Desfeita a esperança da alegria, a vela se apaga e a vida perde o sentido.

Rubem Alves (Folha de São Paulo, 16.9.2008)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Professor?


Por Germano Schwartz

Em todo o semestre que se inicia costumo lançar uma pergunta a meus alunos de graduação: qual o objetivo de vocês, no Direito, após a conclusão do curso? A maioria esmagadora pende para os “concursos”. Quando questionados qual, dizem: “qualquer um”. Grande parte deles respondem baseados não no aspecto vocacional e sim na recompensa (financeira) que terão com a aprovação. Nada mais normal.

Entretanto, de forma esporádica, alguém refere: quero dar aulas em uma “Faculdade de Direito”. Confesso que, mesmo após um certo tempo enquanto docente, ainda fico estático com esse objetivo. Não consigo, na hora, concatenar um diálogo de incentivo. Isso ocorre mais pela surpresa do que pela desilusão da profissão, afinal encontro nesses alunos o espelho de um Eu mais jovem, e, portanto, lúdico em relação ao trabalho escolhido. Ser professor, em qualquer nível da educação, é, por mais batida que soe a frase, uma vocação. Disso não tenho dúvidas. Ou se é professor ou, por mais que se deseje ou se aperfeiçoe, jamais se alcançará um estado de “Mestre”, designação carinhosa muito mais abrangente do que o título de stricto sensu. Um professor vocacionado melhora ao longo do tempo, tal qual um bom vinho. Um bom docente, sem vocação, pode, temporariamente, desempenhar um trabalho compatível. No entanto, estará fadado à estaticidade.

Contudo, gostaria de aperfeiçoar essa frase para referir que o ensino superior é vocação, mas, antes de tudo, uma profissão. Nesse sentido, como toda e qualquer atividade laboral, requer especialização, dedicação e abnegação. Levando-se em consideração que a profissionalização do Ensino do Direito no Brasil é algo absolutamente recente (graduei-me em 1995 e nenhum de meus professores eram “somente professores”), tem-se que ser profissional da educação jurídica no Brasil é, também, um caminho que vem sendo construído. Optei por trilhá-lo na direção da efetivação dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Há outras possibilidades.

Depois do “choque” tomado com a resposta do aluno que deseja ser professor, após uma semana, tradicionalmente, costumo dirigir-me a ele e repetir uma frase que vários ex-orientandos meus – e tenho orgulho de dizer que todos eles são excelentes profissionais do saber jurídico – cansaram de ouvir: “Quer ser professor? Então se vira”. Digo isso como um conselho. Faticamente sempre os auxilio. Subsidiariamente. No entanto, com isso eu pretendo alertá-los que há passos e caminhos que devem ser cumpridos. Eles devem ser descobertos pelo futuro professor, como forma de superação das dificuldades que enfrentarão, inevitavelmente, na academia. Seguir esse conselho, é, em minha opinião, um bom início, porque aquele que “se vira” será o docente com capacidade de improvisação e de superação de obstáculos.

De outro lado, ao contrário do velho ditado de que “todos os caminhos levam a Roma”, pode-se afirmar que nem todas as estradas levam à docência superior no ensino do Direito. Todavia, há mapas de orientação. Após a graduação, é altamente recomendável que o futuro profissional se especialize. Dada a configuração do ensino no Brasil, não é somente ensino a área de atuação desse profissional. Ele também deve estar apto a pesquisar e participar de projetos de extensão com a comunidade. Logo, a capacitação deve cobrir não somente a sala de aula, mas também as atividades de pesquisa e de extensão.

Dessa forma, a graduação não basta para quem desejar ser profissional do ensino jurídico. É necessário fazer, preferencialmente, um curso de especialização na área, para, depois, ingressar em um Mestrado. Ambos os diplomas habilitam o outrora aluno a se tornar professor. Caso deseje se tornar um pesquisador, com uma tese doutoral as portas se abrem com maior facilidade. Somando-se os cinco anos da graduação ao um ano e meio da especialização, aos dois anos do Mestrado e aos quatro de Doutorado, há um lapso temporal de quase 13 anos de formação. Mas isso não significa que o docente estará pronto. Ao contrário. Ele ouvirá, um dia, a clássica frase: “mas, professor, você somente dá aulas?”. A pergunta é colocada de tal forma que o docente passa a se assemelhar a um vagabundo ou a alguém que leva a vida “numa boa”. Aconselho, desde já, a deixar o autor da frase imerso em sua “sabedoria”. Algum dia ele, ou por vaidade ou por remorso, irá lhe procurar para pedirum espaço no ensino superior do Direito. Aí será o dia em que ele descobrirá que nada sabe, e, tal qual Sócrates, poderá visualizar a hercúlea tarefa de ser um profissional do ensino jurídico no Brasil.

Acredito, por fim, que a maior recompensa vem, contudo, sob outros formatos. Quando um Tribunal cita sua pesquisa. Quando um aluno obtém sucesso em seus “concursos”. Quando um aluno passa a ser professor. Quando você dá uma boa aula. Quando você cria laços de amizades duradouras com seus alunos. Ou, muito melhor, quando, em meu caso, você encontra, também na docência do Direito, em uma colega de profissão, sua esposa. Não há nada mais gratificante na existência humana.

Germano Schwartz é Pós-Doutor em Direito (University of Reading). Doutor em Direito (Unisinos) com doutorado sanduíche em Paris X-Nanterre. Professor do Mestrado em Direitos Fundamentais da ULBRA/CANOAS. Coordenador do Curso de Direito da ESADE (www.esade.com.br). Professor do Curso de Direito da Faculdade da Serra Gaúcha.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Poética



Poética I

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

MORAIS, Vinícius de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Sabiá, 1973.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Albatroz

O Albatroz

Charles Baudelaire

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatoz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.

Tradução de Guilherme de Almeida

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Útil ou inútil?




Inútil? Útil?

O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil?
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e defende o di reito de ser inútil. Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira? Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos.
Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes. Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana.
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos. Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo. Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser
percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade. Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.


CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000. p. 16

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Maranhão 66

Maranhão e memória: como a experiência constitucional de um povo deve olhar para a história


Vale a pena lembramos deste documentário filmado por Glauber Rocha, na ocasião da posse de José Sarney no Maranhão em 1966. Interessante também que este documentário fora encomendado e produzido com um senso de comoção social, esperança e propostas de uma mudança política (sic!).
A pedido do então governador eleito e amigo José Sarney, Glauber Rocha produziu um documentário sobre a cerimônia da posse do político em ascensão da UDN em 1966, dois anos depois do golpe militar de 1964. A posse de Sarney, em 1966, marcava o início da domínio político de sua família no Maranhão, interrompido somente em 1º de janeiro de 2007, com a posse de Jackson Lago no Palácio dos Leões.
Ante o discurso de posse de Sarney e a celebração da multidão com o novo governo, o documentário expõe a miséria da população maranhense. Enquanto Sarney, em um exercício retórico, se comprometia solenemente a acabar com as mazelas do estado, o filme mostrava as mesmas: casas miseráveis, hospitais infectos, vítimas da fome ou da tuberculose.
O filme é uma encomenda de José Sarney, ex-presidente da República, que acabava de ser eleito governador do Estado do Maranhão, e desejava que seu amigo Glauber Rocha produzisse um documentário sobre a cerimônia de sua posse. Isso se dá dois anos depois da tomada de poder dos militares, a franqueza do filme é total e anuncia o tom de “Terra em Transe”. Não se encontra no curta-metragem o mínimo de complacência para com o político que encomendou a obra. Ao contrário, o filme é construído como um verdadeiro desafio às promessas eleitorais demagógicas: enquanto o político se compromete solenemente a acabar com as misérias da região, elas são simplesmente mostradas, com uma terrível crueza, em imagens documentais (casas miseráveis, hospitais infectos, vítimas da fome, tuberculose...).
Alternando-se com as imagens do discurso em terrível oposição entre a retórica e a realidade, mas igualmente apontando a necessidade urgente de transformar as palavras em ações para promover o progresso social.
Comentário de Glauber Rocha: "É uma reportagem sobre as eleições de um governador (José Sarney) no Maranhão; é muito importante para mim, porque o filmei com som direto e foi uma experiência muito útil para “Terra em Transe” porque participei das etapas de uma campanha eleitoral”. Glauber Rocha - “O Estado de Minas” – 13/05/1980.
Obs: Glauber retirou dois planos dos negativos de “Maranhão 66” para sobrepor a um comício de Vieira em “Terra em Transe”. Foi no set deste filme que, Eduardo Escorel, então Técnico de Som, leu pela primeira vez o roteiro de “Terra em Transe”, filme em que assinaria a Montagem.
Comentário de José Sarney:“Tomava eu posse no Governo do Maranhão e fiz uma ousadia que não deveria ter feito com um amigo da estatura de Glauber Rocha. Eu lhe pedira, que documentasse a minha posse. Glauber fez o documentário que foi passado numa sala de cinema de arte, há 15 anos. E quando o público viu que uma sessão de cinema de arte ia ser passado um documentário que podia ter o sentido de uma promoção publicitária, reagiu como tinha que reagir. Mas aí, o documentário começou a ser passado, e quando terminaram os 12 minutos o público levantou-se e aplaudiu de pé, não o tema do documentário mas a maneira pela qual um grande artista pôde transformar um simples documentário numa obra de arte: ele não filmou a minha posse, ele filmou a miséria do Maranhão, a pobreza, filmou as esperanças que nasciam do Maranhão, dos casebres, dos hospitais, dos tipos de ruas, e no meio de tudo aquilo ele colocou a minha voz, mas não a voz do governador. Ele modificou a ciclagem para que a minha voz parecesse, dentro daquele documentário, como se fosse a voz de um fantasma diante daquelas coisas quase irreais, que era a miséria do Estado”.
Senador José Sarney, no Jornal do Brasil, (Rio de Janeiro, 25 de Agosto de 1981).


Algumas palavras para refletirmos:
O que aprendemos, após estes anos de experiência constitucional? Como repensar as casas do Congresso Nacional, em especial o Senado Federal, enquanto representantivas do federalismo demócrático e cidadão de 1988?
Fica a pergunta, diante das perplexidades e atrocidades que temos presenciado no Legislativo.
Pior que, mesmo após tantos anos de história e dominação política, hoje o Senador José Sarney é eleito pelo Estado de Amapá, tendo sido eleito em 2007 com mandato até 2015!
Contudo, os problemas atuais do Legislativo brasileiro refletem as estruturas conjunturais da sociedade brasileira, a ausência de esclarecimento sobre a relevância e importância do voto e da cidadania. Precisamos repensar nosso exercício da cidadania e o projeto político de nação que temos desenvolvido.
Onde o ensino jurídico se insere nessa nova consciência sobre a cidadania e o voto?

O poder devastador da mídia e a presunção constitucional de inocência


"O Silêncio dos Inocentes" - Ombudsman da Folha de S. Paulo Por Carlos Eduardo Silva

“Os efeitos sobre a pessoa comum vítima da atenção jornalística podem ser devastadores, em especial quando ela é acusada de crimes, contravenções ou malfeitorias.”

O ENORME poder que se atribui à mídia (mas que ela de fato não tem) de provocar mudanças na ordem política e social, é subdimensionado onde realmente existe, na esfera da vida privada. Os efeitos sobre a pessoa comum vítima da atenção jornalística podem ser devastadores, em especial quando ela é acusada de crimes, contravenções ou malfeitorias.
A súbita notoriedade negativa abala o espírito, humilha os familiares, cria desconfianças, atrapalha negócios e relacionamentos, pode destruir o caráter e até levar ao suicídio, como se viu na semana passada no episódio do cientista americano suspeito de responsabilidade pelos ataques com antraz em 2001.
A presunção de inocência, uma das grandes conquistas da civilização, às vezes cai em baixa por conta da ansiedade coletiva e catártica de exigir punição imediata a bodes expiatórios.
E a imprensa várias vezes entra como acelerador de processos que freqüentemente resultam em injustiças terríveis. Alfred Dreyfus, na França, e quatro anarquistas italianos em Chicago, no final do século 19, foram injustamente condenados com grande participação de jornais que insuflavam argumentos políticos do agrado de leitores.
Há muitos exemplos recentes: o cientista Wen Ho Lee, acusado em 1999 de espionagem nos EUA com apoio de amplas e errôneas reportagens, os pais da garota JonBenet Ramsey, infernizados por suspeitas de a terem matado veiculadas pelas mídia; muitos dos 218 condenados, vários à morte, que desde 1989 foram libertados nos EUA graças a exames de DNA.
No Brasil, são tristemente célebres os episódios da Escola Base, do ex-ministro Alcenir Guerra, do ex-deputado Ibsen Pinheiro. Outra situação de provável injustiça pode ter ocorrido contra moradores de uma comunidade naturista no Rio Grande do Sul, acusados de pedofilia.
Aqui, a dependência da imprensa em relação ao Ministério Público e às polícias, mais o desejo de parte da sociedade em ver punições exemplares, tem levado a conclusões apressadas que, mesmo quando se confirmam equivocadas, têm conseqüências de difícil reparação.
Podemos estar diante de outro exemplo desse tipo. O médico Joaquim Ribeiro Filho, cujo nome nem eu nem a maioria absoluta dos leitores jamais havia ouvido ou lido antes, foi preso em 30 de julho pela PF, sob a acusação de manipular a lista de transplantes de fígado no Rio e desviar órgãos para fazer cirurgias em clínicas particulares.
A acusação se refere a apenas dois casos desde 2003. Num deles, o médico foi absolvido por unanimidade pelo Conselho Regional de Medicina; no outro, o transplante foi feito por meio de ordem judicial, o que não prova que seja inocente.
A Folha registrou o lado de Ribeiro Filho. Mas poderia ir além do pingue-pongue entre acusação e defesa. Deveria ver como funciona a fila dos transplantes, checar custos, entrevistar pacientes do médico, ouvir colegas, investigar as denúncias, recuperar o processo do CRM em que ele foi absolvido e as investigações feitas no segundo caso, contar a complexa história do jogo de poder no hospital em que trabalhava. Enfim, fazer jornalismo.
(fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om1008200801.htm)


Comentário do Autor:
Para pensarmos: quais os efeitos devastadores da mídia enquanto instrumento de veiculação de conteúdos que ainda não são comprovados ou transitaram em julgado?
Qual a relação deste poder da mídica com a liberdade constitucional de expressão e os princípios constitucionais do contraditório e da presunção de inocência?
Temas para o próximo post.