segunda-feira, 25 de abril de 2011

Em defesa dos direitos Humanos



A Declaração Universal de Direitos Humanos, proclamada em 10 de dezembro de 1948 pela Organização das Nações Unidas (ONU), representa um marco inigualável na história do processo civilizatório da Humanidade. Pela primeira vez, a maioria dos países passou a comungar um conjunto comum de valores. Ou seja, apesar de todas as diferenças éticas, culturais, étnicas e religiosas existentes entre os povos, a Humanidade deu-se um sentido comum através da Declaração Universal.

Os Direitos do Homem só se tornam possíveis com a afirmação da democracia e o principal objetivo é a busca da paz no mundo. Praticamente, todas as constituições democráticas modernas reafirmam os Direitos Humanos. Um dos aspectos mais relevantes da Declaração Universal de Direitos Humanos diz respeito á prática de tortura. O artigo V da Declaração estabelece que “ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante".

A Constituição brasileira de 88, também em seu Artigo V, inciso XLIII, absorve a recomendação da ONU estabelecendo que a tortura “constitui prática de crime inafiançável e insuscetível de graça ou anistia”.

Dificilmente se encontra na natureza uma espécie animal que sacrifica ou violenta os seus integrantes com perturbadora violência e crueldade, a tortura assim como a homofobia dentre outros crimes contra a pessoa humana constituem a crueldade na sua mais perversa forma. A tortura é uma agressão física e psicológica. Causa traumas que muitos dos torturados não serão capazes de superá-pelo o resto de suas vidas.

Quem não conhece de perto os mecanismos e as práticas monstruosas da tortura, dificilmente conseguirá imaginar que seres humanos são capazes de cometer tais atrocidades contra seus semelhantes. Até mesmo muitos dos torturados não conseguem acreditar que foram submetidos a essas humilhasntes experiências.

A tortura é uma prática inaceitável, de importância não só do âmbito nacional como do internacional fazendo com que nos sensibilizemos e pensemos na importância em que isso como estudantes de Direito representa para nós. Essa lei que defende não apenas os direitos humanos, mas como a nossa legislação é de suma importância e quem discordar disso estará caminhando para um caminho obscuro, o mesmo que cerca a ditadura de que tantos foram vítimas!

Texto de autoria dos alunos Eduardo Oliveira Mendes e Guilherme Henrique Vieira Calais Rezende.

quarta-feira, 23 de março de 2011



A Lógica da pesquisa científica.

Karl Popper


“As teorias são redes, lançadas para capturar aquilo que denominamos “o mundo”: para racionalizá-lo, explicá-lo, dominá-lo.


Nossos esforços são no sentido de tornar as malhas da rede cada vez mais estreitas”.


“As teorias científicas estão em perpétua mutação. Não se deve isso ao mero acaso, mas isso seria de esperar, tendo em conta nossa caracterização da Ciência empírica. Talvez seja essa a razão pela qual, geralmente, apenas ramos da Ciência – e estes apenas de caráter temporário – chegam a adquirir a forma de um sistema de teorias elaborado e logicamente bem construído”.


“Toda prova de uma teoria, resulte em sua corroboração ou em seu falseamento, há de deter-se em algum enunciado básico que decidimos aceitar. Se não chegarmos a qualquer decisão e não aceitarmos este ou aquele enunciado básico, a prova terá conduzido a nada.

Contudo, considerada de um ponto de vista lógico, a situação nunca é tal que nos obrigue a interromper a feitura de provas quando chegados a este enunciado básico particular e não àquele; e nem é tal que nos obrigue a abandonar completamente a prova.

Com efeito, qualquer enunciado básico pode, por sua vez, ser novamente submetido a provas, usando-se como pedra de toque os enunciados básicos suscetíveis de serem dele deduzidos, com auxílio de alguma teoria – seja a teoria em causa, seja uma outra.

Esse processo não tem fim.

Dessa maneira, se a prova há de levar-nos a alguma conclusão, nada resta a fazer senão interromper o processo num ponto ou noutro e dizer que, por ora, estamos satisfeitos”.


POPPER, Karl. A Lógica da pesquisa científica. Tradução de Leônidas Hegenberg e Octanny Silveira da Mota. São Paulo: Cultrix, 1974-.

Sobre Karl Popper clique

http://pt.wikipedia.org/wiki/Karl_Popper

quarta-feira, 9 de março de 2011

Apenas "copyright" pode garantir progresso



Vínculo entre mercado e cultura foi grande responsável pelo florescimento do teatro na Inglaterra do século 16

Arqueólogos concluíram uma escavação notável na zona leste de Londres no verão britânico passado.
Entre os artefatos que encontraram, estavam sete puxadores de cerâmica, evidências físicas de um experimento quase perfeito realizado no século 16 sobre o vínculo entre comércio e cultura.
Quando William Shakespeare estava crescendo em Stratford-upon-Avon, na zona rural, carpinteiros naquele local de Londres estavam construindo os muros daquele que alguns consideram ter sido o primeiro teatro erguido na Europa desde a Antiguidade.
Em pouco tempo, outros teatros foram surgindo pela cidade. Quem podia pagar tinha direito de entrar e assistir à peça; quem não podia, não assistia.
Quando Shakespeare começou a escrever, essas "paywalls culturais" já eram abundantes em Londres.
Trabalhadores com urnas para dinheiro (ostentando os puxadores singulares encontrados pelos arqueólogos) nas mãos ficavam na entrada de um número crescente de teatros ao ar livre, recolhendo um "penny" de ingresso.
Com essa renda, dramaturgos eram pagos para escrever novas peças. Pela primeira vez na história, tornou-se possível ganhar a vida escrevendo para o público.
Uma onda de dramaturgos brilhantes surgiu quase da noite para o dia, entre eles Christopher Marlowe, Thomas Kyd, Ben Jonson e Shakespeare.
Esses talentos tinham encontrado a oportunidade, as condições e o dinheiro para exercer seu ofício.
Qual foi a constatação simples desse experimento? Como é o caso de muitas outras coisas, o talento literário permanece sem se desenvolver, a não ser que os mercados o recompensem.

VIRTUALIZAÇÃO
No auge do Iluminismo, o "paywall cultural" tornou-se virtual, quando autores britânicos conquistaram o direito de criar mercados legalmente protegidos para suas obras.
Em 1709, a Inglaterra promulgou a primeira lei do "copyright", com o objetivo expresso de combater a pirataria de livros e "para incentivar homens eruditos a compor e escrever livros úteis". Os direitos autorais, agora vinculando fortemente os autores, as gráficas (e tecnologias posteriores) e o mercado, mostrariam ser um dos grandes sucessos de política pública da história.
Os livros iriam atrair investimentos de trabalho de autores e capital de editores em escala colossal.
Hoje, porém, esses mercados estão se desfazendo. A pirataria tornou-se um empreendimento lucrativo, inovador e global. A ascensão da internet levou à visão, por parte de muitos usuários e empresas que operam na rede, de que os direitos autorais são uma relíquia adequada apenas às necessidades de gigantes corporativos que estão fora de sintonia com a atualidade.
Basta pensar nos dedicados "compartilhadores de arquivos" que transmitem e recebem material protegido sem o menor sentimento de culpa.
Eles são encorajados e assistidos por um punhado de professores de direito e outros especialistas que se tornaram peritos em formular argumentos contraintuitivos segundo os quais os direitos autorais constituem empecilhos à criatividade e ao progresso.
A teoria deles é que, se enfraquecermos gravemente as proteções dos direitos autorais, a inovação irá florescer de fato.
É uma ideia sedutora, mas que ignora séculos de progresso científico. Uma cultura rica requer contribuições de autores e artistas que dediquem milhares de horas a uma obra e a vida inteira a seu trabalho.

INEVITABILIDADE
Desde o Iluminismo, as sociedades ocidentais acostumaram-se a acreditar que o progresso é inevitável. Ele nunca o foi.
O progresso é decorrente da obediência a regras que foram construídas cuidadosamente e práticas que foram iniciadas por pessoas que viviam sob a sombra comprida da Idade das Trevas. Quando mudamos essas regras, corremos riscos.
Em julho passado, um público pequeno reuniu-se naquela escavação arqueológica em Londres para ouvir dois atores ler trechos de "Sonho de Uma Noite de Verão" no lugar onde a peça estreou, no ponto onde ficavam as paredes mais valiosas do teatro.

O RESTO É SILÊNCIO
Embora as fundações do Theater (como era conhecido) permaneçam, as paredes propriamente ditas, não.
Quando a companhia de Shakespeare perdeu o direito de arrendar o teatro, seus membros desmontaram a armação de madeira do Theater e levaram as paredes para um novo local, do outro lado do Tâmisa, batizando seu novo teatro de The Globe.
Shakespeare levou com ele seu sistema de cobrança de ingressos.
Mais tarde, o Globe foi destruído em um incêndio e reconstruído em pouco tempo. Seu fim definitivo aconteceria em meados do século 17, no início de uma guerra civil sangrenta, quando as autoridades ordenaram a demolição das paredes.
O regime não foi motivado por ideais de acesso livre ou ilusões de que iria acelerar o progresso.
Ele simplesmente queria silenciar os dramaturgos, que transmitiam ao público pagante do teatro uma grande gama de pensamentos desestabilizadores. O experimento acabou.
Foram rompidos os laços dos dramaturgos com o comércio, e a maior explosão de talento dramatúrgico que o mundo moderno já conheceu chegou ao fim.
Assim, simplesmente.

SCOTT TUROW, romancista, é o presidente do Sindicato de Autores.
PAUL AIKEN é o diretor executivo do sindicato.
JAMES SHAPIRO, integrante do conselho de direção do sindicato, leciona Shakespeare na Universidade Columbia.

Tradução de CLARA ALLAIN.

sexta-feira, 4 de março de 2011

Ostra Feliz não faz Pérola



A ostra, para fazer uma pérola, precisa ter dentro de si um grão de areia que a faça sofrer. Sofrendo, a ostra diz para se mesma: “preciso envolver essa areia pontuada que me machuca com uma esfera lisa que lhe tire pontas…” outras felizes não fazem pérolas… Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador seja na ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma dor doída… Por vezes a dor aparece como aquela coisa que tem o nome de curiosidade. Este livro está cheio de areias pontudas que me machucaram.


Ostras são moluscos, animais sem esqueletos, macias, que são as delícias dos gastrônomos. Podem ser comidas cruas, de pingos de limão, com arroz, paellas, sopas. Sem defesas - são animais mansos - seriam uma presa fácil dos predadores.

Para que isso não acontecesse a sua sabedoria as ensinou a fazer casas, conchas duras, dentro das quais vivem.

Pois havia num fundo de mar uma colônia de ostras, muitas ostras. Eram ostras felizes. Sabia-se que eram ostras felizes porque de dentro de suas conchas, saía uma delicada melodia, música aquática, como se fosse um canto gregoriano, todas cantando a mesma música. Com uma exceção: de uma ostra solitária que fazia um solo solitário... Diferente da alegre música aquática, ela cantava um canto muito triste... As ostras felizes riam dela e diziam: "Ela não sai da sua depressão..." Não era depressão. Era dor. Pois um grão de areia havia entrado dentro da sua carne e doía, doía, doía. E ela não tinha jeito de se livrar dele, do grão de areia. Mas era possível livrar-se da dor.

O seu corpo sabia que, para se livrar da dor que o grão de areia lhe provocava, em virtude de sua aspereza, arestas e pontas, bastava envolvê-lo com uma substância lisa, brilhante e redonda. Assim, enquanto cantava o seu canto triste, o seu corpo fazia o seu trabalho - por causa da dor que o grão de areia lhe causava.

Um dia passou por ali um pescador com seu barco. Lançou a sua rede e toda a colônia de ostras, inclusive a sofredora, foi pescada. O pescador se alegrou, levou-a para sua casa e sua mulher fez uma deliciosa sopa de ostras. Deliciando-se com as ostras, de repente seus dentes bateram num objeto duro que estava dentro da ostra. Ele tomou-a em suas mãos e deu uma gargalhada de felicidade; era uma pérola, uma linda pérola. Apensa a ostra sofredora fizera uma pérola.


(ALVES, Rubem. Ostra feliz não faz pérola.)


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Into the Wild



"A felicidade só existe quando compartilhada". Christopher McCandless


Alguns filems definitivamente marcam nossas vidas. Into the Wild, o último trabalho do diretor Sean Penn, é um destes. Terminei de ver o filme faz algumas madrugadas e ele continua ali, aparecendo na memória. Há muitas frases incríveis no roteiro, várias imagens idem. Na verdade, descobri depois, que o filme vai fazendo efeito conforme o tempo passa. E foi depois de uma certa distância temporal das imagens que eu percebi o quanto ele é bonito, o quanto ele trata de alguns assuntos que eu tenho pensado muito ultimamente. Entre eles, o de como vivemos em uma sociedade que dá vontade de escapar, algumas vezes. Mas que, ainda que tenhamos pavor das pessoas que vivem para consumir, são justamente as pessoas (incluindo estas, talvez) que façam a vida ter sentido. Então a verdade é que descobrimos o que o personagem principal de Into the Wild descobre: de que o mais bonito está na Natureza, na nossa capacidade de sobrevivermos por nossa conta, sem supérfluos ou luxos ao nosso redor mas que, paralelo a isso, não é possível viver feliz sem compartilhar o que sabemos e o que vivemos. Into the Wild fala disto e de muito mais.
O filme conta a trajetória de Christopher McCandless (Emile Hirsch) em sua aventura de descoberta pessoal e de busca pela vida fora da sociedade consumista. O filme começa com seus pais, Billie (Marcia Gay Harden) e Walt (William Hurt) acordando em uma noite depois que ela sonha com o filho “desaparecido”. Em seguida aparece o texto de uma carta escrita por Christopher para o seu amigo Wayne Westerberg (Vince Vaughn), contando de sua chegada a Fairbanks e de como ele estava preparado para ficar um bom tempo longe da civilização. A partir do momento em que ele encontra um “ônibus mágico” abandonado no meio das montanhas, passamos a acompanhar a sua trajetória em retrospectiva, desde que ele se formou na universidade e resolveu abandonar tudo para viver da maneira que acreditava ser a mais correta.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Aniversário, por Rubem Alves



Desfiz 75 anos...


Minha formação filosófica impõe-me o uso preciso das palavras porque as palavras devem revelar o ser. E é assim, usando de forma precisa as palavras, comunico aos meus leitores que ontem, dia 15 de setembro, eu desfiz 75 anos... Haverá leitores que se apressarão a corrigir meu uso estranho, nunca visto, da palavra "desfazer", atribuindo-o, quem sabe, a um início do mal de Alzheimer. Todo mundo sabe que, para se anunciar um aniversário, o certo é dizer "fiz" tantos anos. No meu caso, "fiz" 75 anos... Mas o verbo "fazer" sugere algo que aumenta, um crescimento do ser, o artista e o artesão "fazem"... Mas, que ser aumenta com a passagem do tempo, esse monstro que devora os seus filhos? O que aumenta é o vazio. Esses anos que o aniversariante distraído anuncia como anos que ele fez são, precisamente, os anos que ele desfez, o tempo que já passou, que deixou de ser, os anos que o tempo devorou. Por isso acho um equívoco filosófico perguntar a alguém: "Quantos anos você tem?". O certo seria perguntar "quantos anos você não tem?". E ela responderia "não tenho 42 anos", "não tenho 28 anos". Porque esse número de anos indica precisamente os anos que ela não tem mais. Nos aniversários, então, a maneira correta de se dirigir ao aniversariante é perguntando-lhe "quantos anos você está desfazendo hoje?". Com base nessas reflexões filosóficas acho extremamente estranho e mesmo de mau gosto esse costume de o aniversariante soprar as velinhas acessas para que elas se reduzam a um pavio negro retorcido. Aí, nesse momento, todos gritam e riem de alegria e cantam o "Parabéns pra você", em louvor a essa "data querida..." Bachelard, no seu delicadíssimo livro "A Chama de uma Vela", que nunca será best-seller, nos lembra que uma vela que queima é uma metáfora da existência humana. Há alguma coisa de trágico na vela que queima: para iluminar, ela tem que morrer um pouco. Por isso ela chora, e suas lágrimas escorrem sobre o seu corpo sob a forma de estrias de cera. Uma vela que se apaga é uma vela que morre. Algumas velas se consomem todas, morrem de pé, têm de morrer porque a cera já se chorou toda. Outras morrem antes da hora - elas não queriam morrer -, mas veio o vento e a chama se foi. As velinhas acesas fincadas no bolo não querem morrer. Elas vão ser assassinadas por um sopro. O sopro que apaga as velas é o sopro que apaga a vida... Por isso não entendo os risos, as palmas e a alegria que se segue ao sopro que apaga as velas. Uma vela que se apaga é um sol que se põe, disse Bachelard. E todo pôr-do-sol é triste... Uma vela que se apaga anuncia um crepúsculo. Por isso eu prefiro um ritual diferente, ritual que é uma invocação. Eu acendo uma vela pedindo aos deuses que me dêem muitos anos a mais de vida, esses anos que se seguirão, que são o único tempo que realmente possuo... Assim fiz, acendi uma vela, meus amigos à minha volta. Que coisa boa é ter amigos, especialmente quando o crepúsculo e a noite se anunciam! Acho que a vida humana não se mede nem por batidas cardíacas nem por ondas cerebrais. Somos humanos, permanecemos humanos enquanto estiver acesa em nós a esperança da alegria. Desfeita a esperança da alegria, a vela se apaga e a vida perde o sentido.

Rubem Alves (Folha de São Paulo, 16.9.2008)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Professor?


Por Germano Schwartz

Em todo o semestre que se inicia costumo lançar uma pergunta a meus alunos de graduação: qual o objetivo de vocês, no Direito, após a conclusão do curso? A maioria esmagadora pende para os “concursos”. Quando questionados qual, dizem: “qualquer um”. Grande parte deles respondem baseados não no aspecto vocacional e sim na recompensa (financeira) que terão com a aprovação. Nada mais normal.

Entretanto, de forma esporádica, alguém refere: quero dar aulas em uma “Faculdade de Direito”. Confesso que, mesmo após um certo tempo enquanto docente, ainda fico estático com esse objetivo. Não consigo, na hora, concatenar um diálogo de incentivo. Isso ocorre mais pela surpresa do que pela desilusão da profissão, afinal encontro nesses alunos o espelho de um Eu mais jovem, e, portanto, lúdico em relação ao trabalho escolhido. Ser professor, em qualquer nível da educação, é, por mais batida que soe a frase, uma vocação. Disso não tenho dúvidas. Ou se é professor ou, por mais que se deseje ou se aperfeiçoe, jamais se alcançará um estado de “Mestre”, designação carinhosa muito mais abrangente do que o título de stricto sensu. Um professor vocacionado melhora ao longo do tempo, tal qual um bom vinho. Um bom docente, sem vocação, pode, temporariamente, desempenhar um trabalho compatível. No entanto, estará fadado à estaticidade.

Contudo, gostaria de aperfeiçoar essa frase para referir que o ensino superior é vocação, mas, antes de tudo, uma profissão. Nesse sentido, como toda e qualquer atividade laboral, requer especialização, dedicação e abnegação. Levando-se em consideração que a profissionalização do Ensino do Direito no Brasil é algo absolutamente recente (graduei-me em 1995 e nenhum de meus professores eram “somente professores”), tem-se que ser profissional da educação jurídica no Brasil é, também, um caminho que vem sendo construído. Optei por trilhá-lo na direção da efetivação dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Há outras possibilidades.

Depois do “choque” tomado com a resposta do aluno que deseja ser professor, após uma semana, tradicionalmente, costumo dirigir-me a ele e repetir uma frase que vários ex-orientandos meus – e tenho orgulho de dizer que todos eles são excelentes profissionais do saber jurídico – cansaram de ouvir: “Quer ser professor? Então se vira”. Digo isso como um conselho. Faticamente sempre os auxilio. Subsidiariamente. No entanto, com isso eu pretendo alertá-los que há passos e caminhos que devem ser cumpridos. Eles devem ser descobertos pelo futuro professor, como forma de superação das dificuldades que enfrentarão, inevitavelmente, na academia. Seguir esse conselho, é, em minha opinião, um bom início, porque aquele que “se vira” será o docente com capacidade de improvisação e de superação de obstáculos.

De outro lado, ao contrário do velho ditado de que “todos os caminhos levam a Roma”, pode-se afirmar que nem todas as estradas levam à docência superior no ensino do Direito. Todavia, há mapas de orientação. Após a graduação, é altamente recomendável que o futuro profissional se especialize. Dada a configuração do ensino no Brasil, não é somente ensino a área de atuação desse profissional. Ele também deve estar apto a pesquisar e participar de projetos de extensão com a comunidade. Logo, a capacitação deve cobrir não somente a sala de aula, mas também as atividades de pesquisa e de extensão.

Dessa forma, a graduação não basta para quem desejar ser profissional do ensino jurídico. É necessário fazer, preferencialmente, um curso de especialização na área, para, depois, ingressar em um Mestrado. Ambos os diplomas habilitam o outrora aluno a se tornar professor. Caso deseje se tornar um pesquisador, com uma tese doutoral as portas se abrem com maior facilidade. Somando-se os cinco anos da graduação ao um ano e meio da especialização, aos dois anos do Mestrado e aos quatro de Doutorado, há um lapso temporal de quase 13 anos de formação. Mas isso não significa que o docente estará pronto. Ao contrário. Ele ouvirá, um dia, a clássica frase: “mas, professor, você somente dá aulas?”. A pergunta é colocada de tal forma que o docente passa a se assemelhar a um vagabundo ou a alguém que leva a vida “numa boa”. Aconselho, desde já, a deixar o autor da frase imerso em sua “sabedoria”. Algum dia ele, ou por vaidade ou por remorso, irá lhe procurar para pedirum espaço no ensino superior do Direito. Aí será o dia em que ele descobrirá que nada sabe, e, tal qual Sócrates, poderá visualizar a hercúlea tarefa de ser um profissional do ensino jurídico no Brasil.

Acredito, por fim, que a maior recompensa vem, contudo, sob outros formatos. Quando um Tribunal cita sua pesquisa. Quando um aluno obtém sucesso em seus “concursos”. Quando um aluno passa a ser professor. Quando você dá uma boa aula. Quando você cria laços de amizades duradouras com seus alunos. Ou, muito melhor, quando, em meu caso, você encontra, também na docência do Direito, em uma colega de profissão, sua esposa. Não há nada mais gratificante na existência humana.

Germano Schwartz é Pós-Doutor em Direito (University of Reading). Doutor em Direito (Unisinos) com doutorado sanduíche em Paris X-Nanterre. Professor do Mestrado em Direitos Fundamentais da ULBRA/CANOAS. Coordenador do Curso de Direito da ESADE (www.esade.com.br). Professor do Curso de Direito da Faculdade da Serra Gaúcha.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Poética



Poética I

De manhã escureço
De dia tardo
De tarde anoiteço
De noite ardo.

A oeste a morte
Contra quem vivo
Do sul cativo
O este é meu norte.

Outros que contem
Passo por passo:
Eu morro ontem Nasço amanhã
Ando onde há espaço:
– Meu tempo é quando.

MORAIS, Vinícius de. Antologia Poética. Rio de Janeiro: Sabiá, 1973.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O Albatroz

O Albatroz

Charles Baudelaire

Às vezes, por prazer, os homens de equipagem
Pegam um albatoz, enorme ave marinha,
Que segue, companheiro indolente de viagem,
O navio que sobre os abismos caminha.

Mal o põem no convés por sobre as pranchas rasas,
Esse senhor do azul, sem jeito e envergonhado,
Deixa doridamente as grandes e alvas asas
Como remos cair e arrastar-se a seu lado.

Que sem graça é o viajor alado sem seu nimbo!
Ave tão bela, como está cômica e feia!
Um o irrita chegando ao seu bico em cachimbo,
Outro põe-se a imitar o enfermo que coxeia!

O poeta é semelhante ao príncipe da altura
Que busca a tempestade e ri da flecha no ar;
Exilado no chão, em meio à corja impura,
A asa de gigante impedem-no de andar.

Tradução de Guilherme de Almeida

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Útil ou inútil?




Inútil? Útil?

O primeiro ensinamento filosófico é perguntar: O que é o útil? Para que e para quem algo é útil? O que é o inútil? Por que e para quem algo é inútil?
O senso comum de nossa sociedade considera útil o que dá prestígio, poder, fama e riqueza. Julga o útil pelos resultados visíveis das coisas e das ações, identificando utilidade e a famosa expressão “levar vantagem em tudo”. Desse ponto de vista, a Filosofia é inteiramente inútil e defende o di reito de ser inútil. Não poderíamos, porém, definir o útil de outra maneira? Platão definia a Filosofia como um saber verdadeiro que deve ser usado em benefício dos seres humanos.
Descartes dizia que a Filosofia é o estudo da sabedoria, conhecimento perfeito de todas as coisas que os humanos podem alcançar para o uso da vida, a conservação da saúde e a invenção das técnicas e das artes. Kant afirmou que a Filosofia é o conhecimento que a razão adquire de si mesma para saber o que pode conhecer e o que pode fazer, tendo como finalidade a felicidade humana.
Marx declarou que a Filosofia havia passado muito tempo apenas contemplando o mundo e que se tratava, agora, de conhecê-lo para transformá-lo, transformação que traria justiça, abundância e felicidade para todos. Merleau-Ponty escreveu que a Filosofia é um despertar para ver e mudar nosso mundo. Espinosa afirmou que a Filosofia é um caminho árduo e difícil, mas que pode ser
percorrido por todos, se desejarem a liberdade e a felicidade. Qual seria, então, a utilidade da Filosofia?
Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às idéias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes.


CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ed. Ática, 2000. p. 16