quarta-feira, 12 de agosto de 2009

O poder devastador da mídia e a presunção constitucional de inocência


"O Silêncio dos Inocentes" - Ombudsman da Folha de S. Paulo Por Carlos Eduardo Silva

“Os efeitos sobre a pessoa comum vítima da atenção jornalística podem ser devastadores, em especial quando ela é acusada de crimes, contravenções ou malfeitorias.”

O ENORME poder que se atribui à mídia (mas que ela de fato não tem) de provocar mudanças na ordem política e social, é subdimensionado onde realmente existe, na esfera da vida privada. Os efeitos sobre a pessoa comum vítima da atenção jornalística podem ser devastadores, em especial quando ela é acusada de crimes, contravenções ou malfeitorias.
A súbita notoriedade negativa abala o espírito, humilha os familiares, cria desconfianças, atrapalha negócios e relacionamentos, pode destruir o caráter e até levar ao suicídio, como se viu na semana passada no episódio do cientista americano suspeito de responsabilidade pelos ataques com antraz em 2001.
A presunção de inocência, uma das grandes conquistas da civilização, às vezes cai em baixa por conta da ansiedade coletiva e catártica de exigir punição imediata a bodes expiatórios.
E a imprensa várias vezes entra como acelerador de processos que freqüentemente resultam em injustiças terríveis. Alfred Dreyfus, na França, e quatro anarquistas italianos em Chicago, no final do século 19, foram injustamente condenados com grande participação de jornais que insuflavam argumentos políticos do agrado de leitores.
Há muitos exemplos recentes: o cientista Wen Ho Lee, acusado em 1999 de espionagem nos EUA com apoio de amplas e errôneas reportagens, os pais da garota JonBenet Ramsey, infernizados por suspeitas de a terem matado veiculadas pelas mídia; muitos dos 218 condenados, vários à morte, que desde 1989 foram libertados nos EUA graças a exames de DNA.
No Brasil, são tristemente célebres os episódios da Escola Base, do ex-ministro Alcenir Guerra, do ex-deputado Ibsen Pinheiro. Outra situação de provável injustiça pode ter ocorrido contra moradores de uma comunidade naturista no Rio Grande do Sul, acusados de pedofilia.
Aqui, a dependência da imprensa em relação ao Ministério Público e às polícias, mais o desejo de parte da sociedade em ver punições exemplares, tem levado a conclusões apressadas que, mesmo quando se confirmam equivocadas, têm conseqüências de difícil reparação.
Podemos estar diante de outro exemplo desse tipo. O médico Joaquim Ribeiro Filho, cujo nome nem eu nem a maioria absoluta dos leitores jamais havia ouvido ou lido antes, foi preso em 30 de julho pela PF, sob a acusação de manipular a lista de transplantes de fígado no Rio e desviar órgãos para fazer cirurgias em clínicas particulares.
A acusação se refere a apenas dois casos desde 2003. Num deles, o médico foi absolvido por unanimidade pelo Conselho Regional de Medicina; no outro, o transplante foi feito por meio de ordem judicial, o que não prova que seja inocente.
A Folha registrou o lado de Ribeiro Filho. Mas poderia ir além do pingue-pongue entre acusação e defesa. Deveria ver como funciona a fila dos transplantes, checar custos, entrevistar pacientes do médico, ouvir colegas, investigar as denúncias, recuperar o processo do CRM em que ele foi absolvido e as investigações feitas no segundo caso, contar a complexa história do jogo de poder no hospital em que trabalhava. Enfim, fazer jornalismo.
(fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ombudsma/om1008200801.htm)


Comentário do Autor:
Para pensarmos: quais os efeitos devastadores da mídia enquanto instrumento de veiculação de conteúdos que ainda não são comprovados ou transitaram em julgado?
Qual a relação deste poder da mídica com a liberdade constitucional de expressão e os princípios constitucionais do contraditório e da presunção de inocência?
Temas para o próximo post.

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